24 agosto 2004

A Daiane errou, e eu também?



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Por Luiz Eduardo Ricon — Terça, 24 de agosto de 2004

Eu xinguei a Daiane.

Não resisti.

Vai ver que sou presa fácil da mídia, ou fui na onda do Galvão Bueno, sei lá.

Eu acreditei de verdade no ouro de tolo olímpico e quando a Daiane pisou na bola, não houve duplo mortal carpado que segurasse o palavrão. Nem o meu e nem o dela. O palavrão de Daiane em Atenas, mesmo mudo, ecoou nos ouvidos e no peito de muita gente aqui no Brasil. E eu xinguei...

Ao meu redor, todo mundo me criticou. “Chegar na olimpíada já é muito”, “vai você fazer o que ela faz”, “você é o quinto melhor do mundo em alguma coisa?” e daí pra baixo.

Tá bom, desculpa...

Reconheço que devia ter tido a grandeza interior de tantos e tantos brasileiros, solidários e compreensivos, dando aquele tapinha nas costas e dizendo “bola pra frente, daqui a quatro anos você tenta de novo!”

Só que eu, brasileirinho que sou, queria mesmo era o lugar mais alto do pódio, a coroa de louros, a medalha de ouro. Eu queria mesmo era ver uma pretinha, dentucinha e bunduda, uma menina assim, bem brasileirinha, colorindo o mundo chato da ginástica olímpica.

Quer saber? Já estou farto de romenas, russas, eslovenas ou eslovacas branquelas, magrelas, atarracadas e acanhadas com seus primeiros lugares. E confesso: aquela pisada fora do tablado me tirou do sério.

Claro que "errar é humano", concordo.

Mas tem uma coisa: se você é o Ivo Pitanguy, por exemplo, o melhor cirurgião plástico do mundo e de repente "erra" numa cirurgia, seu cliente vai ficar com o nariz torto. E vai te processar, pode ter certeza.

Do mesmo modo, quando um atleta chega no nível da elite olímpica, não pode errar. Não pode ficar nervoso, passar mal, dar chilique, vomitar no banheiro. Para mim, faz parte da job description de atleta olímpico participar de competições importantes e estressantes, além de saber lidar com a mídia e até mesmo aturar o Galvão Bueno.

Na vitória e na derrota.

Desde a Grécia Antiga, no momento da competição, os atletas adquirem uma condição sobre-humana, viram os heróis que nos representam, que expiam e exorcizam os fantasmas de todos nós, meros mortais. É a tal da catarse, gente.

Logo, xingar a Daiane faz parte do meu direito de torcedor tanto quanto festejar a conquista do Penta no Japão. Afinal, eu não precisei entrar em campo e lançar aquela bola pro Ronaldo para ter o direito de encher a boca, gritar gol e beber um monte de cerveja depois do jogo.

Do mesmo modo que não sei dar duplo mortal carpado, mas me sinto no pleno direito de ficar puto da Daiane ter errado.

Se errar é humano, ficar puto também é. E somos todos humanos, eu, você e a Daiane.

Claro que os gregos já sabiam disso faz tempo...

Mas não tem nada não. “Daqui a quatro anos tem mais”, e “quinto lugar na olimpíada já é uma grande conquista”...

Ou não?

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