06 janeiro 2005

O Meu Adeus...

Reproduzo aqui o texto que escrevi para o Sobrecarga em homenagem ao mestre Will Eisner.

Fica como homenagem póstuma e um singelo "Muito Obrigado."



Minhas histórias preferidas do Will Eisner

Por Luiz Eduardo Ricon — Quarta, 5 de janeiro de 2005

O que é que a gente faz quando perde um ídolo?
O que dizer quando um verdadeiro imortal morre de repente?
Como colocar aqui... agora, em meras dúzias de pixels, tudo o que guardei nesses anos todos em páginas e mais páginas, percorridas pelos olhos e guardadas nas prateleiras das memórias mais afetivas?

Como (e o quê!) escrever sobre a morte de Will Eisner?

...

Pois é... quando recebi a notícia triste através de um amigo, num email seco, num foward meio apressado que me chegou de repente, no meio da tarde, duas coisas me vieram à cabeça:

A primeira foi aquela que para mim é a melhor das histórias que ele escreveu e ilustrou: Um Contrato com Deus. Esse livro é um genuíno romance gráfico, em todas as acepções possíveis da expressão. Uma pequena maravilha que reúne poucas histórias, todas elas inspiradíssimas, comoventes, líricas, emocionais... humanas. Tudo tão diferente das grandiosas aventuras dos super-poderosos e superficiais heróis que até hoje adoro. Aquelas eram desventuras pequeninas, reais (ainda que fictícias). Eram memórias de alguém que tinha o talento único de ver o mundo bem mais calaramente através de uma página coberta de nanquim.

A segunda foi uma lembrança mais triste.

Foi no Rio, durante a Bienal de Quadrinhos de 91. Naqueles poucos dias, vários imortais passaram pela cidade e aterrisaram no Espaço Cultural dos Correios. Para mim, dois deles se destacavam dos demais: Jean (Moebius) Giraud e Will Eisner.

Difícil dizer qual dos dois é melhor, hein?

Mas na época eu estava numa fase mais Will Eisner... compreende-se.

Foi assim que me vi numa fila quilométrica, de pé, por quase duas horas, só para conseguir o precioso autógrafo do mestre na minha edição do Um Contrato com Deus.

Nunca fui caçador de autógrafo mas, para mim, aquela era uma forma de retribuir o que Will Eisner tinha feito por mim ao dividir comigo aquelas histórias. Era como se eu pudesse lhe dizer: "Oi, olha só... eu li!". E era como se a assinatura dele, rabiscada no topo da página, me respondesse: "Pois é, eu percebi. Obrigado!".

A fila anda... anda... anda, e eu me aproximo cada vez mais da mesa onde ele está.

Posso vê-lo, sorrindo, assinando autógrafo atrás de autógrafo.

Três pessoas na minha frente. "Vou conseguir!"
Duas pessoas na minha frente. "Não acredito!"
Uma pessoa na minha frente. "Vai logo, ô pastel!"
Minha vez...

De repente, um braço meio gorducho se estende à minha frente. Barrando meu caminho. "Ele está cansado! Não vai dar mais autógrafo!". Eu olho, sem entender. A fila reclama.

Will Eisner sorri. Diz em inglês que pode assinar mais alguns, sem problemas.

"Não. Acabou!", responde seco, o braço meio gorducho.

Will Eisner olha para mim. Me pede desculpas. "I'm sorry", diz.

Frustrado, eu lhe mostro o meu Um Contrato com Deus.

Até hoje não sei se ele viu. Até hoje tenho certeza que não se lembraria.

Mas naquele momento, foi como se eu lhe dissesse: "Oi, olha só... eu li!".

E isso já me basta.

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