06 agosto 2003

Do Elio Gaspari

Blustein, um remédio para o dólar a R$ 3

Alguém podia fazer um favor a Lula: deixar sobre sua mesa uma cópia do artigo publicado pelo jornalista Paul Blustein no “The Washington Post” de domingo. Chama-se “A Argentina não caiu sozinha. Wall Street empurrou-lhe a dívida até o último instante”. É uma visita ao serviço de uma ekipekonômica que dissolveu um governo, arruinou um país de 38 milhões de habitantes, produziu um calote de US$ 141 bilhões e desempregou um em cada cinco argentinos ativos. A desgraça argentina é irmã de fraudes como a da Enron ou da WorldCom.

Blustein é um craque. Ele escreveu “Vexame”, livro publicado no Brasil no ano passado. Tratou das malfeitorias do FMI nas crises de 1998 e 1999 no Brasil, na Coréia e na Indonésia. Um livraço. Antecipou em dois anos, com riqueza de detalhes, o relatório de pesquisadores independentes que o FMI divulgou há duas semanas.

A extensa reportagem de Blustein sustenta que a Argentina foi levada ao colapso por banqueiros interessados em ganhar dinheiro, disfarçando-se de profetas da ciência da globalização. Tudo se resumia a uma fantasia: um peso valia um dólar.

A economia dolarizada produziu progresso e dívidas. A corretora Goldman Sachs (inventora do Lulômetro para medir o impacto de Lula sobre o dólar, queridinha da ekipekonômica tucana) chamava a experiência de “um bravo mundo novo”. Depois da crise asiática de 1998, o banco Dresdner Kleinwort Benson (quindim da privataria) disse que a Argentina passara pela tempestade “com grande garbo, pois seus fundamentos estão mais fortes do que há três anos”.

Enquanto esses oráculos eram festejados, a economista Tereza Ter-Minassian, do FMI, avisava, em público, que a Argentina estava em cima de uma bomba. A banca e as ekipekonômicas, sempre respeitosas com o Fundo quando ele fala em matar os feridos, não lhe deram ouvidos.

Pior: patrulharam o economista Desmond Lachman, estrategista-chefe da área de mercados emergentes da Salomon Smith Barney. Ele dizia que o peso e a Argentina iriam à breca. Como a empresa onde ele trabalhava pertencia ao Citigroup, o governo deu uma prensa no banco. Os artigos de Lachman nunca foram publicados nos relatórios analíticos da corretora.

(Alô, alô, Brasil. Em maio passado Lachman disse o seguinte a respeito de Pindorama: “O Banco Central deveria reduzir os juros mesmo que isso levasse a um real mais fraco. O ponto vital, que vai recolocar o Brasil de volta nos trilhos, é o crescimento.”)

Gente como Lachman tende a não ser ouvida. Christian Stracke, que analisava a economia latino-americana para o Deutsche Bank, explica por quê: “As pessoas estão nesse negócio por dinheiro. Se eles estivessem a fim de sabedoria, seriam professores.”

O nome desse dinheiro é bônus. Esses estrategistas ganhavam entre US$ 350 mil e US$ 900 mil por ano. Seus chefes não custavam menos de US$ 1 bilhão. Blustein estima que entre 1991 e 2001 a banca faturou US$ 1 bilhão à custa da Argentina em comissões e penduricalhos do gênero.

Quando o país estava às portas do calote, o banqueiro David Mulford, do Credit Suisse First Boston, concebeu um plano de alongamento da dívida. Nesse lance a banca faturou algo como US$ 100 milhões em pagamento de serviços.

Nos anos 70, Mulford estava na Merrill Lynch corretando petrodólares sauditas para o Terceiro Mundo. Saiu do deserto com o apelido de “Lawrence do dinheiro”. No final dos anos 80, como subsecretário do Tesouro americano, foi o arquiteto do Plano Brady. Negociou a reestruturação da dívida que ajudou a construir. Nos 90 esteve na privataria, armando a compra da estatal petrolífera argentina.

Blustein ensina: esse pessoal arruína um país com a calma de quem joga fora um jornal lido. Aos 66 anos, com seus ternos cortados em Londres, Mulford já participou de três crises financeiras do Terceiro Mundo.


Não preciso dizer nada, né?

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